“Os três sócios acreditam que as melhores pessoas anseiam pela meritocracia, enquanto as pessoas medíocres têm medo dela” (Jim Collins, no prefácio do livro Sonho Grande).
Quem são esses três sócios a que Jim Collins se refere? São Jorge Paulo Lemann,Beto Sicupira e Marcel Telles, os três personagens centrais do livro Sonho Grande, de Cristiane Correa. No começo desse ano, o trio apareceu com destaque na mídia ao comprar, juntamente com o lendário Warren Buffett, a fabricante de alimentos Heinz, depois de já ter arrematado outros dois grandes ícones do capitalismo americano: a Burger King e a Budweiser. E mais recentemente ainda, o mais velho dentre eles, Jorge Paulo Lemann, foi destaque na mídia ao se tornar o brasileiro mais rico do Brasil, com uma fortuna avaliada em cerca de 21,5 bilhões de dólares, o que o posiciona na 28a. colocação no ranking mundial, ultrapassando, assim, com folga, o
falid midiático Eike Batista (o que Lemann achou disso? Nada. Para ele, listas são só papel, e na prática nada havia mudado).
A grande questão é que as pessoas, em geral, só conhecem o resultado final (as grandes aquisições), desconhecendo, quase que integralmente, o longo, penoso, árduo e demorado processo que ocorreu até chegar lá. Foi através de muito estudo, muito trabalho duro, fundado na ética e na meritocracia, controle de custos, frugalidade, e escolha das pessoas certas, dentre outros fatores, que esse trio de brasileiros conseguiu chegar ao topo do capitalismo não somente brasileiro, mas também mundial.
Essa biografia não autorizada é ao mesmo tempo inspiradora e fascinante, por mostrar os bastidores daquela que é maior história de sucesso empresarial do Brasil. Acompanhe-nos nessa resenha!
Informações técnicas
Título: Sonho Grande – Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e conquistaram o mundo
Autora: Cristiane Correa
Número de páginas: 245
Editora: Primeira Pessoa
Preço médio: R$ 40
Jorge Paulo Lemann: do Rio para Harvard, de Harvard para os negócios
Como toda boa biografia que se preze, o livro começa contando aspectos familiares de Lemann. Filho de um imigrante suíço, Lemann, assim como boa parte dos cariocas, gostava de praticar esportes – surfe e tênis eram suas principais paixões (tendo sido, inclusive, campeão brasileiro juvenil, e chegado a disputar dois Grand Slams como profissional, Roland Garros e Wimbledon).
Sua formação universitária se deu em Harvard, nos anos 50, onde concluiu o curso de economia em menos tempo do que o usual (porque achava tudo aquilo uma chatice, e só queria saber de terminar logo o curso para se ver livre dessa obrigação). Um dia, para acabar com o tédio na faculdade, resolveu fazer uma brincadeira: explodir fogos de artifício em plena praça central de Harvard (!!!), razão pela qual, quando chegou ao Rio para tirar umas férias, recebeu uma carta que recomendava sua ausência da universidade por um ano, para que amadurecesse. Só mais tarde compreendeu a importância de Harvard em sua vida.
Lemann começou sua trajetória profissional trabalhando no mercado de capitais, mas via com insatisfação como as corretoras da época (final dos anos 60/começo dos anos 70) trabalhavam, pois, mesmo quem trabalhava muito, tinha dificuldades para conseguir subir na rígida hierarquia que até então imperava (e que ainda impera em boa parte das empresas brasileiras).
Aos 31 anos de idade, Lemann resolveu sair de seu trabalho. Estava desempregado, mas com uma pequena fortuna em suas mãos (cerca de U$ 200 mil, uma bolada para a época), o que lhe permitiu implantar o modelo de gestão com o qual sonhava, em que a riqueza gerada deveria ser dividida com os melhores funcionários, uma prática inspirada no banco Goldman Sachs.
Meritocracia e controle de custos
Estavam criadas as bases do Banco Garantia, ao qual se juntaram, posteriormente, os outros dois sócios, Marcel Telles e Beto Sicupira, que revolucionaram o mercado de capitais da época, ao criarem uma cultura baseada na meritocracia, onde os melhores deveriam ser recompensados, e os piores deveriam ser mandados embora; e forte controle de custos, o Orçamento Base Zero (OBZ), um programa radical de controle de custos que previa a revisão anual integral de todas as despesas da companhia.
Após se estabelecerem no mercado de capitais, o trio resolveu embarcar na denominada “economia real”, comprando ações de empresas em que pudessem influenciar na administração. Um dos primeiros alvos foi a Lojas Americanas, que até então vinha apresentando péssimos resultados. E o que eles fizeram para reerguer a empresa? Reinventar a roda? Não: eles foram atrás de modelos bem-sucedidos de empresas do mesmo gênero no exterior. Foram aprender com quem sabia do riscado. No caso, com a Walmart.
Beto Sicupira foi o encarregado de reestruturar a empresa, e era feroz com o controle de despesas. Ele costumava dizer que “custo é como unha, tem que cortar sempre”. Não deu outra. A empresa foi colocada nos eixos e logo saiu de prejuízos milionários para lucros recordes e cada vez mais crescentes.
Posteriormente, outra investida do Banco Garantia se deu na cervejaria Brahma, que, assim como a Lojas Americanas, tinha uma forte marca, mas era mal administrada. Marcel Telles, assim que assumiu o comando da companhia, usou a velha fórmula da “cultura Garantia”: copiou o que viu de melhor lá fora. Os resultados não poderiam ser outros, já que a Brahma em pouco tempo se consolidou como uma das mais lucrativas empresas de cerveja da época, o que foi decisivo para, nos anos 90, darem o bote definitivo na principal concorrente, a paulista Antarctica: a compra dessa última, dando origem à Ambev, a maior cervejaria do Brasil.
Posteriormente, a Ambev se fundiu à cervejaria belga Interbrew, dando origem à Inbev, onde logo foi implantada a “cultura Garantia”. Em 2008, finalmente, os brasileiros arremataram a Budweiser, se tornando, a partir de então, a maior empresa de cerveja do mundo, e concretizando um “sonho grande” idealizado por Lemann, Sicupira e Telles desde a época em que haviam comprado a Brahma.
Dois outros aspectos notáveis da denominada “cultura Garantia” residiam no processo de formação e retenção de talentos. Ou seja, na escolha de gente. Inicialmente, Jorge Paulo procurava pessoas que ele batizou com a sigla PSD: Poor, Smart, Deep Desire to Get Rich (pobre, esperto, com grande desejo de enriquecer).
Mais adiante, eles acabaram criando a própria fundação, a Fundação Estudar, destinada a ajudar pessoas a buscarem qualificação nas melhores universidades, tanto dentro do Brasil, quanto fora do Brasil. Além da Fundação Estudar, é digno de nota aFundação Endeavour Brasil, comandada por Beto Sicupira, que se destina a fomentar o empreendedorismo no Brasil.
Por quê o Banco Garantia não deu certo?
Paralelamente, os negócios no mercado financeiro do banco Garantia iam cada vez melhores, mas, aos poucos, o pessoal do banco foi se engajando em negócios cada vez mais arriscados, ao mesmo tempo em que ficavam cada vez mais arrogantes e exibicionistas. Os fundadores do banco, especialmente Lemann, Telles e Sicupira, também foram se afastando, gradualmente, do dia-a-dia do Garantia. O banco foi, pouco a pouco, perdendo credibilidade e perdendo dinheiro, até que, no final dos anos 90, foi comprado por um banco estrangeiro. A história do trio de brasileiros é sem dúvida marcada por mais sucessos do que fracassos, mas a derrocada do Garantia foi um fracasso que merece ser enfatizado. Ora, se o banco era um sucesso e fonte de temor pela concorrência, porque foi à bancarrota? Cristiane Correa explica (p. 164):
“O Garantia não morreu por causa da globalização nem por conta do acirramento da concorrência. O Garantia desapareceu porque se deslumbrou com o próprio sucesso. Porque seus principais sócios se afastaram do negócio e deixaram o barco correr solto. Porque boa parte da nova geração estava mais interessada em engordar seu patrimônio pessoal do que em perpetuar a instituição. Vários pilares da cultura que fez do Garantia o maior banco de investimentos da época ruíram – simplicidade, foco, dedicação total à firma, valorização da sociedade acima de qualquer coisa. Os princípios que nortearam o surgimento e o crescimento se esfacelaram com o passar dos anos. Quem matou o Garantia foi o próprio Garantia!”.
A expansão internacional
Nos últimos anos, o trio de brasileiros resolveu expandir seus negócios no mundo, através da firma 3G, ocasião em que arremataram alguns dos maiores ícones do mundo empresarial norte-americano, como a rede de fast food Burger King e a empresa de alimentos Heinz (a maior transação da história, no setor de alimentos), sendo que essa última compra foi realizada em parceria com Warren Buffett, de quem Lemann acabou se tornando não somente sócio, mas também amigo, conforme, aliás, expomos no artigo[Caso verídico] Warren Buffett mostra sua verdadeira riqueza a Jorge Paulo Lemann (imperdível!).
Sobre a aquisição da Burger King, aliás, Beto Sicupira fez os seguintes comentários (p. 227):
“Não sei se vou aprender a comer hambúrguer, mas vou aprender a fazer… Eu cheguei à conclusão de que a marca [Burger King] é muito mais forte do que a gente achava. O Burger King não é uma companhia grande. É um negócio que, em todos os sentidos, é menos da metade da Lojas Americanas… só não é em número de lojas, mas em EBITDA é menos da metade, e o valor que a gente pagou é menos da metade do que vale a Lojas Americanas no mercado… Mas, a repercussão que teve! Eu tenho amigos em vários lugares do mundo, e a notícia saiu em todos esses países. Ora, se você tem um conhecimento muito grande [da marca] e você tem um faturamento que é do tamanho desse conhecimento, significa que você tem uma oportunidade muito grande aí…”.
Sobre frugalidade e Warren Buffett
Chega a ser desconcertante que Jorge Paulo, o empresário mais rico do Brasil, seja, assim como Buffett, uma pessoa de hábitos frugais. Mais do que isso: Jorge Paulo fazia um grande esforço para que a frugalidade também se estendesse ao ambiente de trabalho (basta dizer que, na Inbev, os executivos viajavam na classe econômica e se hospedavam em hotéis três estrelas).
A autora narra como ele se comportava como presidente à frente do Garantia, bem como um episódio interessante ocorrido em 1991 (p. 64):
“Não tinha secretária particular (um pequeno grupo de funcionários atendia a todos os sócios), não usava relógios de grife, não dirigia carrões importados. Quando recebia gente para almoços no Garantia, dispensava garçons e ajudava a servir os convidados. […] A simplicidade, aliás, o salvou de um aperto em 1991. Ele dirigia pela estrada Rio-Santos e parou em um posto de combustível para abastecer. Enquanto enchia o tanque, o local foi assaltado. Seu carro, um Passat com mais de 10 anos de uso, não despertou qualquer interesse dos marginais – e Jorge Paulo pôde seguir viagem tranquilamente”.
Em 1998, mesmo com um patrimônio pessoal que já estava na casa do bilhão de dólares, Lemann ainda ia para o trabalho dirigindo um Gol básico (foi somente no ano seguinte que ele resolveu se mudar de São Paulo para a Suíça, em função de uma tentativa mal sucedida de sequestro, perto da escola, de seus 3 filhos então menores, que, por sinal, eram criados por Lemann e sua esposa, pasmem, sem ajuda de babás).
Warren Buffett, que conheceu Lemann no Conselho de Administração da Gillette, diz que:
“Meu amigo – e agora sócio – Jorge Paulo e sua equipe estão entre os melhores homens de negócios do mundo. Ele é uma pessoa fantástica e sua história deveria ser uma inspiração para todos os brasileiros, assim como é para mim”.
Especula-se que Lemann e Buffett estejam articulando planos para a compra de um outro ícone do capitalismo americano, e a autora diz que poderia ser a Coca-Cola. Só o tempo dirá se isso é verdade.
Conclusão
Trata-se de uma excelente obra, que consegue explicar os motivos que estão na base de alguns dos maiores sucessos empresariais brasileiros. É verdade que nem toda trajetória de sucesso, ou melhor, nenhuma trajetória de sucesso é marcada somente por vitórias, e a autora faz muito bem o trabalho de tentar entender o porquê de alguns investimentos de Lemann, Sicupira e Telles não terem dado certo.
No final das contas, o livro é inspirador porque retrata a história de um Brasil que dá certo, e que é plenamente possível dar certo, se você estudar muito, se preparar com intensidade, trabalhar duro, entregar resultados e se cercar de pessoas certas.
Traduzindo isso tudo em poucas palavras: um dos melhores livros que já passaram pela estante do blog Valores Reais. Recomendadíssimo!
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